Viagem Treino - Curitiba-Florianópolis (506km pela rota escolhida)
Monday, September 29, 2008
Nosso plano era realizar alguma viagem mais curta antes da longa viagem pela América. E como não éramos experientes foi uma boa idéia. Saímos de Ourinhos na madrugada do dia 7 de fevereiro de 2008. O ônibus atrasou um pouco e acho que saímos pouco depois da meia noite. Assim que entrei no ônibus o meu estresse do dia anterior no trabalho começou a desaparecer e minha ansiedade também. Afinal eu estava de férias!
Muitas pessoas nos perguntaram porque ir de ônibus até Curitiba. Acho que foi uma boa idéia, pois o percurso de Ourinhos a Curitiba é bem puxado e são 420 km. logicamente gostaríamos de seguir por um caminho mais próximo do litoral e não era nosso objetivo cruzar o estado do Paraná e sim ir de Curitiba a Floripa.
Estimamos que rodaríamos uns 420km entre as duas cidades e mais uns 80 a 100km em Florianópolis. Não fazíamos idéia de quantos dias ficaríamos na estrada. Martinho tinha que voltar logo que chegássemos em Floripa, mas eu não fazia idéia se voltaria com ele ou mesmo se seguiria viagem sozinho para outro lugar. Na verdade eu queria ir mais para o sul, quem sabe até o Rio Grande do Sul, cheguei a pensar em Porto Alegre.
Às vezes quando imaginamos uma viagem temos uma visão extremamente romântica, é tudo perfeito, mas na pratica as coisas não são assim tão simples. De qualquer forma, entrar no ônibus era o inicio da realização de um sonho antigo e sendo romântico ou não, era meu.
Chegamos no terminal rodoviário de Curitiba por volta das 6 horas da manha do dia 7 de fevereiro e começamos a montar as bicicletas e arrumar a bagagem ali mesmo na plataforma dos ônibus. Uma pequena platéia de transeuntes ficou ali perto nos olhando enquanto tomavam café e iam para mais um dia de trabalho. Paramos num guichê de informações para aquelas perguntas básicas sobre distancia e que direção seguir. Eu já conhecia Curitiba, mas não sabia exatamente qual seria o caminho mais curto até a estrada da Graciosa, caminho que já tínhamos em mente. Ficamos uns 30 minutos ali conversando com aquele senhor. É muito bacana conhecer gente nestas circunstancias e ver a reação de cada um quando falamos sobre as viagens.
Saímos da rodoviária sabendo que deveríamos seguir pela BR 116 sentido São Paulo, pois o inicio da descida da Serra da Graciosa era um pouco mais para nordeste de Curitiba. Foi o que fizemos, apenas demos uma parada de mais meia hora numa padaria bem próxima à BR para tomar um bom café da manha e calibrar os pneus num posto. Tiramos fotos e conversamos com os "nativos" dali, como gostamos de nos referir aos moradores locais. Descobrimos que a dona da padaria, dentro do posto era de uma cidade próxima a Ourinhos, agora não me lembro o nome.
Pegamos o rumo da Regis Bittencourt (BR 116) e não sabíamos absolutamente nada sobre o trajeto. A rodovia é bem movimentada, pois liga duas importantes regiões do país, porem é bem tranqüila para ciclismo, pois tem um belo acostamento. Paramos duas vezes no caminho. Uma foi para comprar água e a outra foi para que o Martinho pudesse arrumar seu guidão que estava soltando. Uma garoa começou a cair e resolvi proteger minha câmera (um dos meus instrumentos de trabalho) com uma capa especial de látex para que pudéssemos fazer fotos debaixo de chuva. Minha câmera é uma reflex digital e fica bem grande com a lente, mas a qualidade das imagens compensa o sacrifício de carregá-la para todo lado.
Conforme fomos nos distanciando de Curitiba, a paisagem urbana de grande metrópole foi sendo substituída por uma mata fechada. Foram 41km até encontrarmos a primeira placa com o nome "Estrada da Graciosa". Foi uma felicidade, tiramos fotos na frente da placa. Logo mais à frente nos deparamos com a entrada da Graciosa, um belo portal de tijolos com grandes portas para passagem de carros e detalhes em madeira. Fizemos algumas fotos ali. Havia uma placa dizendo algumas distancias de cidades mais próximas ao litoral. O portal me pareceu muito antigo. Nossa próxima parada seria Morretes, a 34km dali. Pensávamos que dali em diante seria só descida e eu particularmente achava que chegaríamos para almoçar em Matinhos (litoral). Ilusão, quando passamos o Portal percebemos que haviam algumas subidas por ali. Logo começou uma neblina muito forte e uma leve garoa. Estávamos muito felizes e nem ligamos. Acoplei nossa filmadora ao garfo da bicicleta e seguimos. Paramos em alguns riachos e mirantes muito bonitos e logo em seguida percebemos que a descida começaria.
O portal da Graciosa
Começamos a sentir uma ajudinha da lei da gravidade e os quilômetros começaram a passar rápido. Para nossa surpresa, em uma curva mais fechada, acabamos caindo os dois. Alguns minutos e gargalhadas depois nos recompomos e percebemos que é uma estrada perigosa e tínhamos que reduzir a velocidade. Por sorte ninguém se machucou e o melhor de tudo é que ficou registrado em vídeo, pois eu estava com a câmera na bicicleta, logo atrás do Martinho. Se fosse um despenhadeiro teríamos caído. Um quilometro mais abaixo percebemos que o pneu dianteiro do Martinho tinha furado na queda. Voltamos alguns metros e paramos num quiosque que havia ali. Trocamos a câmara furada e aproveitamos para tomar uma água de coco.
Acabamos conversando um pouco com o vendedor que disse que tinha seis filhos! Continuamos e logo chegamos a um trecho que não é o sonho de ciclista algum: 10 quilômetros de paralelepípedos. Eu particularmente odeio a vibração e isso machuca muito as minhas mãos. Então nosso ritmo se reduziu muito. Aproveitamos e fomos filmando e tirando fotos de cada coisa que julgávamos interessantes. A serra é linda e suas paisagens, mesmo com tempo fechado, são fenomenais.
O tempo melhorou e encontramos um rio muito bonito, ficamos ali um pouco e logo mais abaixo uma linda ponte de ferro. Mais fotos!
A estada da Graciosa ficou para trás. Estávamos praticamente ao nível do mar e com fome, pois já era mais ou menos 1:30 da tarde. Foi então que percebemos que o pneu do Martinho estava meio murcho. Apertamos o passo para chegar logo em Morretes e almoçar.
Morretes é um lugar absurdamente calmo e cheio de construções antigas. Assim que chegamos perguntei a uma menina que passava onde tinha uma bicicletaria e um restaurante. Martinho foi até a bicicletaria verificar o que ocorrera com seu pneu e logo em seguida fomos a um restaurante. No cardápio um belo barreado. Comi muito bem e logo senti que estava com as baterias novas.
Saímos de Morretes por volta das 4 da tarde em direção ao litoral. Esperávamos chegar logo a Matinhos e logo em seguida ao nosso destino do dia: Guaratuba. Mas dificuldades estavam só no começo. Passamos por um trecho um pouco difícil, com algumas subidas e calor. Eu não esperava por isso ali próximo ao litoral. Afinal estávamos com alguma bagagem (estimo uns 15 kg). Fomos em direção a SC que liga Curitiba ao porto de Paranaguá. Muito movimentada, mas uma bela estrada. Por volta das 6 da tarde começou um pé dagua, Já tínhamos pedalado uns 100km e eu particularmente estava um pouco cansado. A chuva não deu trégua e nos acompanhou até o litoral. Pedalamos um bom trecho no escuro e com chuva forte. Eu não fazia idéia que teríamos que pedalar durante a noite, então meu farol estava bem no fundo da bagagem. Nem pensei em pegá-lo sob aquela chuva forte. Fizemos uma breve parada num posto policial para o Martinho ir ao banheiro e logo percebi que estava com muito frio. As paradas nessas condições não são uma boa idéia. A estada parecia não acabar. Uma reta sem fim, escura e fria. Não foi fácil. Percebi que apesar da chuva e do frio a calça de lycra que havia comprado estava cumprindo muito bem o seu papel, já que diminuiu bem a sensação de frio. Chegamos em Matinhos e ligamos para casa avisando que estávamos no litoral. Logo saímos em direção a Caiobá para pegar a balsa até Guaratuba. A chuva apertou e acabou molhando boa parte das nossas bagagens. Na verdade virou uma tempestade. Mesmo o que estava protegido no alforge de lona acabou molhando um pouco. Somente o que mantínhamos dentro dos sacos estanque de PVC ficou totalmente seco.
Entramos na balsa sob forte chuva e os ventos não estavam menos fortes. Comecei a tremer de frio. Não é fácil parar, ficar vários minutos sem pedalar e ter que voltar a pedalar debaixo de chuva. Tem que ter muita força de vontade mesmo!
Serra da Graciosa/PR
Até ali tínhamos rodado uns 150km. E era claro para nós que precisavamos achar um lugar para passar a noite. Já eram nove e meia da noite.
Assim que chegamos em Brejatuba, ao lado de Guaratuba, fizemos uma comprinha para nosso jantar e começou a longa procura da casa de uma conhecida do Martinho que nos daria a chave de uma casa próxima a praia para passarmos a noite. Alguns quilômetros e telefonemas depois, acabamos encontrando o local e a casa graças a um "nativo" ao qual eu tive a idéia de perguntar sobre a pessoa que procurávamos.
No meu odômetro estava 162km e foi a maior distancia que eu já percorrera num dia de bicicleta. Finalmente as 10:30 ou 11:00 estávamos abrigados.
Nossa idéia inicial era apenas passar a noite na casa, mas constatamos que nossa roupa estava suja e molhada e boa parte da nossa bagagem estava molhada também. Isso incluía uma poça dagua dentro do alforge! Então decidimos ficar o dia todo para lavar e secar as coisas. Felizmente o dia começou com um Sol maravilhoso e pudemos secar tudo.
Na frente da casa havia um barzinho e tomamos uma cervejinha. À tarde, depois de uma ligeira soneca, fomos até uma lanhouse para salvar as fotos, enviar e-mails e baixar os vídeos que estavam na câmera. No fim da tarde limpamos a casa, jantamos e arrumamos boa parte da bagagem.
Combinamos que sairíamos cedo para pedalar se não estivesse chovendo. E não estava, o Sol apareceu novamente.
Infelizmente não conseguimos sair muito cedo. Sempre atrasamos devido a vários fatores. Mas como estamos de ferias não convém esquentar a cabeça. Por volta das 9:30 ainda estávamos de saída. Paramos num posto para calibrar os pneus e logo mais à frente constatei que o excesso de água de dois dias atrás havia danificado meu velocímetro. Depois de tentar por vários minutos desisti e resolvi comprar outro novo na bicicletaria. Uma pena, pois o meu voltou a funcionar alguns dias depois. Conseguimos entrar no ritmo lá pelas 10:30 da manha.
Logo estávamos em Santa Catarina. Um pouco estressados pelo calor e pelos atrasos, mas chegamos á praia de Itapoá.
Fizemos umas fotos e resolvemos pedalar uns quilômetros pela praia. Enfim, depois daquela chuva toda era a primeira praia com Sol que pegávamos. Pedalar na praia não foi uma boa idéia, pois as bicicletas ficaram cheias de areia e isso as deixa um barulho muito feio e irritante!
Seguimos pelo litoral e chegamos a um trecho sem asfalto. Sabíamos disso, mas percebemos que seria um dia difícil. Eu não consigo imprimir velocidade neste tipo de terreno devido à vibração causada por aquelas costelinhas que se formam numa estrada de areia. O calor apertou e minhas mãos começaram a doer. Paramos num quiosque na beira do mar e tomei um suco bem gelado. Ficamos ali uns minutos, mas logo seguimos em direção a ilha de São Francisco do Sul.
Chegamos a Vila da Glória, onde existe um trapiche enorme e um barco que leva as pessoas até a ilha. Ficamos ali por mais de 1h. Martinho fez uns telefonemas para tentar localizar uma pessoa conhecida dali. Eu aproveitei para acessar a internet, carregar o celular e avisar algumas pessoas sobre onde estávamos. É incrível como em cada canto tem um estabelecimento com Internet hoje em dia. Também enviei uma foto nossa para um amigo chamado Fernando Cavezali, que havia aceitado o desafio de ser nosso assessor de imprensa. Fernando conseguiu publicar em dois jornais de Ourinhos uma reportagem sobre nossa viagem treino.
Às 16 horas o barco nos levou para a ilha de São Francisco. Era o ultimo barco daquele dia, então tínhamos que ir de qualquer jeito. Um Sol de rachar e fome. Eu estava com fome! Apos uma breve procura e uma discussão sobre comer ou não, achamos um lugar para comer. Martinho suporta varias horas sem se alimentar, mas eu fico acabado se ficar muito tempo sem comer comida de verdade nestas condições. Fico meio letárgico e preciso me alimentar logo.
São Francisco do Sul possui um grande porto e suas construções são bem antigas como em Morretes, parecem remontar ao inicio do século XX.
A saída de Barra do Sul
Nosso próximo destino era a cidade de Barra do Sul. Lugar que eu tive a oportunidade de conhecer nos verões de 1999, 2000 e 2001. Saímos da ilha e encontramos uma bela e rápida estrada. Nosso ritmo foi muito bom neste trecho e resolvemos parar para tomar um caldo de cana. O trecho de uns 20km antes de Barra do Sul foi um pouco cansativo, mas finalmente chegamos. Neste dia rodamos uns 95km
Assim que chegamos, bem no final da tarde, fomos até a praia e logo percebi que algo estava diferente por ali. Comentei com o Martinho que parecia que o mar estava mais próximo. Demos uma pedalada até achar um camping, onde acabamos passando a noite. Procurei também a casa de uns amigos antigos, mas devido a grandes mudanças que ocorreram neste lugar nos últimos sete anos eu não tive certeza se realmente achei.
Conversamos com alguns moradores dali e acabaram confirmando o que eu suspeitava: o mar havia se revoltado e acabou tomando uma grande faixa da praia. Levou também algumas casas e dunas. Eu fiquei assustado e não poderia imaginar que um lugar pudesse mudar tanto em tão pouco tempo. Havia uma casa muito bonita bem na beira da praia. Desta casa achei apenas o alicerce no meio da areia. Isso me fez pensar como as coisas são voláteis e realmente acabam um dia. Mas por outro lado acabei percebendo que a natureza sempre da um jeito e é possível perceber que a mata próxima ao mar está mais bonita. É como se a natureza pegasse de volta o que lhe é seu de direito.
Acampamos em meio a ataques de pernilongos gigantes que picavam por cima da roupa!
Tomei um belo banho e comemos um doce de banana chamado “cuca”. Muito bom! No meio da noite uma leve chuva caiu.
Acordamos bem cedo para nosso quarto dia de luta. Tirei uma foto do Sol nascente e logo começamos a arrumar a bagagem e desmontar a barraca.
Desmontar a barraca molhada e cheia de areia não é fácil. A areia não sai e você acaba levando consigo algum peso a mais em areia e água.
Arrumar a bagagem do Martinho é sempre um baile. Demora muito, pois ele resolveu não levar o alforge e sempre precisa de ajuda para montar uma bela gambiarra com elásticos e sacos em cima da garupa.
Após nos despedirmos dos donos do camping seguimos pela rua principal até o final da praia. Tínhamos decidido não voltar para uma estrada, mas sim seguir a praia por uma estrada de terra que sabíamos que existia, mas não sabíamos seu comprimento e muito menos as suas condições.
Assim que andamos uns quilômetros vimos uns motoqueiros fazendo um “motocross” nas dunas. Achei muito interessante. Eles pulavam e estavam com todo aquele equipamento. Chegamos a um trecho de uns 100 metros completamente alagado por uma água escura e com cheiro forte de ferro. Por um breve momento pensamos em voltar, mas decidimos seguir. Liguei novamente a câmera filmadora, tiramos umas fotos e esperamos um carro e uma moto, que estavam vindo no sentido contrario, passarem. Pudemos ter uma idéia da profundidade (uns 30 centímetros em alguns pontos).
Claro que deixei o Martinho ir à frente. Fiquei só olhando se realmente era possível. Ele passou pedalando com um certo esforço. Então decidi ir também. “Passamos o primeiro lago!”, eu disse, mas tinha muito mais pela frente. Martinho caiu num belo mergulho ao tentar passar pela poça seguinte. Novamente, muito bem registrado em vídeo! Neste desci da bicicleta e resolvi empurrá-la. Minhas meias brancas agora eram completamente marrons. E até mesmo a parte de baixo de meu alforge molhou um pouco. Em seguida passamos pelo pior trecho da viagem, 20km de areia com aquelas costelinhas que eu adoro! Novamente ritmo de tartaruga até chegarmos à rodovia BR 101.
Assim que chegamos a BR passamos num posto para jogar uma água nas bicicletas e comprar água. Sempre tomamos água mineral na viagem.
Pedalar na BR 101 é muito bom. Apesar de ser muito movimentada, é um tapete plano. Uma delicia. Almoçamos um belo rodízio e seguimos para Balneário Camboriú.
O Sol não deu trégua, mas percebi que para não se preocupar com ele bastam basicamente 3 coisas: Óculos escuros, protetor solar e água. Se você tem isso não tem problema. Algumas vezes eu tirava os óculos e me perguntava como estava agüentando pedalar naquele Sol escaldante. Mas você se acostuma. Em nenhum momento senti qualquer tipo de ensolação na viagem.
Durante as dificuldades da viagem acabei percebendo que conviver com alguém por dias seguidos, 24 horas por dia, não é uma tarefa fácil. Devem-se relevar algumas coisas e muitas vezes discute-se por vários minutos coisas sem importância. Martinho é um companheiro, mas às vezes porta-se como pai e isso me incomoda um pouco. Sou meio individualista e gosto de ter uma visão global das coisas. Martinho é muito detalhista, embora seja um pouco desorganizado e consegue ser mais distraído do que eu próprio (ele vai querer me matar quando ler isso), mas estamos aprendendo juntos. Mais ou menos como num casamento!
Nosso percurso
Finalmente chegamos em Balneário Camboriú. Já estive inúmeras vezes nesta cidade maravilhosa. Trás-me muitas e boas lembranças. Gosto muito do agito noturno e do ambiente multicultural. Movimentado, mas sem estresse.
Assim que chegamos fomos para a orla. Depois de uns minutos de discussão, Martinho resolveu telefonar para uma antiga amiga que poderia nos emprestar um apartamento no qual poderíamos passar a noite.
Dois seres estranhos, cheios de bagagem com calças pretas de lycra e capacetes no meio daquele Sol e gente desnuda chamam um pouco a atenção. Logo uma moça começou a fazer fotos da gente com seu celular. Perguntou se estávamos vindo de Ourinhos e respondi que vínhamos de Curitiba e que era uma viagem de preguiçosos! Passei meu e-mail para ela, para que pudesse me enviar as fotos e seguimos para o apartamento da Denise para pegarmos a chave com ela.
Chegamos ao apartamento. Martinho e Denise ficaram horas colocando o papo em dia enquanto eu quase dormia.
Depois de uma conversa a três, decidimos ficar um dia todo em Camboriú, pois queríamos visitar algumas praias próximas, e muito bonitas, antes de seguir viagem. A atmosfera de Camboriú é muito interessante. Sempre muita gente nas ruas à noite e a cada dez pessoas que se cruza, pelo menos seis está falando espanhol. O numero de argentinos é absurdo, apenas superado pela praia de Bombinhas, mais ao Sul.
Ah! Foi muito bom dormir em algo macio de novo, mesmo sendo um sofá (Martinho ficou com a cama) foi maravilhoso, dormi como uma criança. Quando acampamos em Barra do Sul acordei várias vezes durante a noite por causa do chão duro demais!
No dia seguinte acordamos não muito cedo. Sai procurar uma padaria para tomar um belo café da manha e depois dei uma volta na praia. Preparei o almoço: uma macarronada. Na verdade este foi o primeiro macarrão que fiz na vida e, graças às instruções do Martinho, ficou muito bom!
À tarde fomos fazer o tal passeio pelas praias próximas, sem bagagem. Rodamos uns 22km ao todo. Seguimos pela rodovia Interpraias que liga algumas praias próximas. Um caminho muito bonito e que eu adoro. Passamos em Laranjeiras e logo começou a chover de leve. Depois fomos até a praia de Taquaras e Estaleiro. Dois lugares excepcionalmente bonitos!
Na praia de Taquaras eu não resisti a um banho de mar. Martinho veio logo em seguida.
Durante o banho de mar um fato muito engraçado ocorreu: Uma onda me pegou de jeito e acabei perdendo meus óculos relativamente caros, que mandei fazer especialmente para a viagem. Foi uma decepção. E o pior é que os outros haviam ficado no apartamento e tenho sete graus de miopia!
Fiquei ali na praia andando de um lado para outro, procurando. Meia hora depois fui até um rapaz que pescava a uns 30 metros dali e disse: “Se tu pescar uns óculos ai, segura que é meu!”, e logo seus filhos e amigos estavam procurando como loucos. O rapaz e sua esposa também vieram ajudar.
Eu já estava desanimado e desacreditado. E então um menino de uns 12 anos veio correndo em minha direção com os óculos na mão. Foi uma alegria! Sai correndo com ele, o abracei e agradeci a todos que estavam aí. Foi realmente uma sorte terem achado. Retribui o menino Marcos com uma gorjeta e ambos ficamos muito felizes. Tiramos uma foto de todos para enviar posteriormente. O fato de ter perdido e recuperado meus óculos valeu o dia para mim.
Chegando na praia do Estaleiro levamos um susto: Em algumas descidas a bike atinge velocidades muitas vezes superiores ao limite das placas. Estávamos descendo uma ladeira íngreme quando percebi que o Martinho estava com muitas dificuldades para fazer a curva. Por pouco não caiu! É muito fácil perder o controle com a pista molhada numa curva fechada a mais de 50km por hora! Mas saímos dessa. Os freios da bike não funcionam muito bem com chuva. Geralmente as sapatas se desgastam muito rápido em ambientes com água e areia. O susto me fez pensar em colocar pelo menos um freio a disco na bicicleta para a próxima viagem.
Voltamos para Camboriú pouco antes de anoitecer para comer uma pizza e dar uma volta a pé pela cidade.
Martinho e Balneário Camboriú ao fundo
No dia seguinte fomos entregar as chaves do apartamento para a Denise. Nos despedimos e pegamos novamente a BR 101 sentido Sul. Nosso próximo destino seria a para de Itapema e depois Bombinhas. Neste dia fizemos um percurso bem calmo. Camboriú é relativamente próximo a Bombinhas. No caminho para Itapema paramos num posto e vimos uma bicicleta toda cheia de adesivos e bagagem encostada na parede. Eu disse: “Martinho, tem um louco aqui!”, e logo avistamos uma figura de boné sentado no canto almoçando.
Seu nome era Alejandro Ramos, uruguaio. Ficamos ali uns minutos e tiramos fotos com ele. Ele nos disse que está há 1 ano na estrada e começou a listar os estados brasileiros que já havia passado, com forte sotaque: “Já passei Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia...” e etc... O último que me lembro que citou foi Maranhão! Nos disse que já rodou por volta de 10.000km. Foi um encontro bem interessante. Ao passarmos pela praia de Itapema, paramos numa farmácia para pedir uma informação. Assim que Martinho encostou na calçada sua sapatilha enroscou no pedal e ele acabou caindo e rolando no meio da calçada. Foi tudo bem rápido. Ele caiu, rolou e se levantou. A bike fez um barulhão. Assim que entrou na farmácia um rapaz disse: “É, cada um desce da bicicleta como quer né!”. Isso foi hilário.
Fomos até uma loja de dois amigos do Martinho. Ficamos de prosa mais de 1 hora. Depois fomos para uma churrascaria almoçar. Sabemos que carne demais, sol e estrada não combinam muito, mas é irresistível!
Uma hora depois seguimos pela praia de Itapema até a península onde fica a praia de Bombas e Bombinhas. Passamos por Porto Belo e me lembrei que ali tinha sido o ponto de partida da grande viagem que a família Schurmman fez recentemente seguindo os passos do navegador português Fernão de Magalhães. Admiro muito eles. O caminho próximo a Bombinhas tem umas ladeiras fenomenais e pouquíssimo acostamento. Neste momento desci da bike para empurrá-la com mais segurança. Martinho, sempre um guerreiro, nunca desce da bike!
Chegamos em Bombinhas e fomos procurar um camping. Para nossa surpresa, muito mais caro que o normal, já que o alto numero de turistas estrangeiros da uma inflacionada nos preços da região.
Armamos a barraca com uma chuva leve. É impressionante como armamos rápido a barraca! Novamente podíamos descansar. Acampamos um lugar chamado “Retiro dos padres”. Um lugar lindo com uma pequena praia rodeada de pedras. Nossa barraca ficou a uns 3 metros das pedras onde as ondas quebravam. É muito bom dormir com o mar tão perto! A noite chegou e o nosso pior jantar também. Acabamos comendo pão com salsichas! Nada mal e a fome é um tempero especial.
A manhã do sétimo dia começou com um Sol forte e isso foi muito bom, pois secamos tudo que estava molhado. O dia foi passando e fomos ficando. Fomos até a paia da Lagoinha, ao lado e resolvemos embarcar num passeio de escuna. Não foi muito barato, mas valeu a pena. O barco nos levou até a ilha de Porto Belo e parou para mergulharmos. O passeio de 4 horas foi muito bom e até visitamos um museu de historia natural marinho. Voltamos para Bombinhas umas 3 da tarde e fomos almoçar. Ainda tínhamos que dar um jeito de chegar a Florianópolis naquele dia.
Eu tinha que tomar uma decisão: Ficar mais uns dias na estrada sozinho ou voltar com Martinho assim que chegássemos em Floripa. Martinho tinha muitos compromissos no trabalho dali a dois dias.
Eu disse: “Martinho, vou continuar sozinho”. Ele disse: “Beleza cara, por mim tudo bem”. Desmontamos a barraca e saímos rumo a BR novamente. Nosso destino agora seria Florianópolis. Saímos tarde demais e foi ficando claro que pegaríamos noite novamente. Para nossa surpresa acabamos encontrando nosso amigo Alejandro novamente! Uma coincidência incrível. Alejandro também estava indo para Floripa e nos acompanhou. Foi durante este percurso de mais ou menos 80km que descobrimos realmente o quão maluco era este Alejandro. Descobrimos que ele fuma. Na verdade acende um cigarro a cada 10 km, sem nem mesmo parar a bicicleta! Bebe somente água de torneira e veio nos contando suas aventuras malucas, seus encontros amorosos e fraturas pelo caminho.
Fiz algumas perguntas sobre como era pedalar fora do Brasil e Alejandro foi respondendo. Perguntei se ele já tinha pedalado nos Andes e como eram as estradas no Uruguai e Argentina. Me disse que os uruguaios são muito receptivos com os ciclistas e que os argentinos dirigem como loucos. Sobre os argentinos eu já sabia. De qualquer forma, em breve eu saberei por mim mesmo.
Alejandro também nos disse que certa vez, perto de São Paulo ele caiu e quebrou o braço, mas que continuou a pedalar com o braço fraturado. Ainda não sei se acredito ou não em algumas coisas que me disse. Nos disse também que uma vez, descendo a serra de Santos a policia o parou por excesso de velocidade! Cada história maluca! Alejandro tem uma espécie de adesivo reflexivo na parte de trás do capacete. Isso é bom. Eu mesmo tenho dois daqueles feitos para motoqueiros. O dele brilhava muito e perguntei onde tinha comprado. Ele disse: “Este pequei da rodovia Raposo Tavares em São Paulo!”. Ele havia pego um daqueles “olhos de gato” que ficam naqueles postinhos na beira da pista!
O mais interessante é que aparentemente Alejandro é bem conhecido pelos caminhoneiros da região, pois sempre que passam dão uma buzinada para ele.
Continuamos a noite rumo a Floripa. Fizemos uma parada num posto cheio de caminhoneiros, que segundo Alejandro, conseguiríamos tomar um café de graça. Tomamos e na saída formou-se uma roda de caminhoneiros a nosso redor para ouvirem nossas historias e fazerem perguntas. Muito interessante! Alejandro nos mostrou uma rota meio alternativa perto de Floripa e acabamos cortando uns cinco quilômetros assim. Outra coisa sobre este uruguaio maluco é que ele mexe com cada prostituta que vê pelas ruas! Talvez as conheça mesmo.
Eu tenho um amigo chamado Luciano que mora em Floripa, mas infelizmente não consegui falar com ele, pois tinha um numero antigo seu.
ogo chegamos à ilha. Nos despedimos de Alejandro. Ficamos ali logo depois da ponte Hercílio Luz, cartão postal da cidade. Eu ainda não havia decidido se continuaria sozinho. Já eram 10 da noite e não tínhamos ninguém mais para telefonar de lá. Nossa única opção era procurar um camping ou mesmo ficar num hotel. Comecei a pensar em tudo que havíamos feito naqueles 7 últimos dias. Coloquei na conta os gastos com a viagem e o que havíamos conseguido. Afinal tínhamos rodado 506km em uma semana. Pedalamos cinco dias e ficamos descansando dois. Percebi que tinha dado até aquele momento um passo muito importante na realização do meu sonho. Então virei para o Martinho e disse: “Vamos embora?”. Eu estava com saudade da minha namorada. Já tinha gasto um bom dinheiro. Havia chegado a meu destino. Estava cansado e doido para voltar para casa. Não fracassamos. Pelo contrario, havíamos feito a viagem sem dificuldades. Eu senti a sensação de dever cumprido naquele momento. Resolvemos ir a rodoviária saber os horários de ônibus para Ourinhos. Havia um para dali a 3 horas. Isso foi o que faltava. Eu queria mesmo entrar naquele ônibus e dormir até Ourinhos. Foi o que fizemos.
Reportagem sobre a viagem